As regras não podem te parar?
- Darci de Borba
- 7 de ago. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de jun. de 2024

Meados do século XVIII a.C., durante a primeira dinastia babilônica, o rei Hamurabi criou aquele que viria a ser reconhecido como o primeiro registro de leis escritas da história da humanidade. Composto por 281 artigos, o Código de Hamurabi foi gravado em caracteres cuneiformes e talhado em rochas de diorito. Versando sobre temas como relações familiares, comércio, construção civil, agricultura e pecuária, o código continha punições que se ajustavam à posição da pessoa na hierarquia social. Baseadas na antiga Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), as penas eram aplicadas na proporção do crime cometido.
Origem das leis
A necessidade de ordenar as relações sociais é tão antiga quanto a própria sociedade. Para resolver conflitos, os regramentos estão longe de ser a solução perfeita, até porque, eles criam novos problemas. Ao analisar as leis de Hamurabi, temos a nítida impressão de que, embora separados por milhares de anos, as preocupações daquele legislador não variam muito das atuais.
O ordenamento jurídico não é a única norma que disciplina uma sociedade, existe um emaranhado de preceitos, escritos ou não, que, quando associados à ética ou ao bom senso, são capazes de impôr limites à nossa atuação.
É relevante esclarecer que nenhum conjunto de normas possui a altivez de definir certo e errado. O objetivo é regrar as relações de acordo com limites estabelecidos. A prática nos mostra que, assim como nos acostumamos a viver sob determinadas regras, faz parte da nossa rotina diária a tentação em descumprir algumas delas.
Analise a seguinte situação:
É uma segunda-feira à tarde, Juliana está em uma lotérica com algumas contas a pagar. Sua posição na fila é, aproximadamente, a décima segunda. O ritmo do atendimento parece avançar lentamente, se contrapondo ao tempo que passa rapidamente. Após quinze minutos de espera, ela pragueja lembrando que tem um compromisso urgente para a mesma tarde. Ao observar as pessoas conversando à sua frente — todas parecendo despreocupadas e alegres — o julgamento de Juliana é categórico: “eu deveria ser atendida primeiro”. É claro que são apenas pensamentos, ela não ousaria dizer isso em voz alta.
A relevância das normas tende a ser proporcional ao nosso interesse no resultado. A situação narrada chega a ser monótoma de tão comum. Assim, não é estranho imaginar que, ao perceber uma amiga posicionada há alguns metros à frente na mesma fila, Juliana se aproxima com o pretexto de cumprimentá-la e, convenientemente, permanece ali.
Avessa à norma consolidada sobre a ordem de chegada, ela poderá considerar a sua atitude justificável, visto que seu compromisso é inadiável e lhe resta pouco tempo. Porém, será que ela faria a mesma avaliação sobre a atitude de um terceiro se, na posição oposta, ela presenciasse o fato do ponto de vista de alguém que aguarda pacientemente?
Ao invocar as próprias razões para, em tese, fundamentar a sua transgressão, a pessoa está simplesmente desmerecendo todas as demais perspectivas. A norma nem sempre é uma medida de correção, como já foi mencionado, mas, ainda assim, precisa ser considerada como a convenção vigente.
De forma geral, e com óbvias exceções, os brasileiros não estão muito acostumados a parar diante de uma regra. Sempre que possível buscamos uma brecha, um favor ou um pouco de empatia. Ao mesmo tempo somos ferrenhos acusadores daqueles que, se valendo da mesma lógica de favorecimento justificável, se julgam merecedores de tantos outros privilégios aludidos à margem do ordenamento presente.
Raiz das infrações
Poderia citar diversas situações que antagonizam essas percepções, no entanto, vou me limitar àquela com a qual, apesar de clichê, terei a melhor ilustração do dilema. A maioria de nós condena a corrupção na esfera política. E não é para menos, visto que os recursos desviados podem resultar em ineficiência, redução de capacidade competitiva e tragédias. No entanto, existem outras formas de “roubo” de recursos públicos. A sonegação de impostos, por exemplo, é uma delas. Também podemos citar o furto de serviços quando, ao serem obtidos de maneira irregular, não geram a arrecadação devida. Contudo, as consequências não param por aí.
As operadoras de TV à cabo e energia elétrica, na qualidade de detentoras dos direitos sobre os serviços, tem suas posses usurpadas descaradamente. O mesmo acontece com as empresas que tem seus produtos pirateados. Antes de você pensar em argumentos para defender a pirataria ou o furto de serviços, responda a seguinte pergunta: e se o negócio ou produto fosse seu, o que você diria?
Tanto o ordenamento jurídico, como as normas informais, carecem de evolução. No entanto, ao forçarmos um desvio em causa própria, corremos o risco de enfraquecer algo que foi criado para nos proteger. Eu não posso afirmar que as pessoas viverão melhor quando, a despeito dos próprios interesses, todos pararem diante de uma norma. Porém, se nenhum de nós parar diante delas, o resultado poderá ser muito pior.





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